INFECÇÕES CUTÂNEAS POR FUNGOS
- MICOSES SUPERFICIAIS - Apoio à Residência Médica 1995;1(1):5-10
Marcia Ramos-e-Silva
- Professora-Adjunta de Dermatologia
Faculdade
de Medicina - Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
As micoses
são doenças provocadas por fungos, dividindo-se em superficiais e
profundas. As superficiais acometem a epiderme e seus anexos, afetando, às vezes, a derme e, mais
raramente, outros órgãos internos. Caracterizam-se por não apresentar
anticorpos séricos, provocar inflamação local banal e, com freqüência, ser
transmitidas por contato direto. Já as profundas invadem a derme e, em
algumas ocasiões, hipoderme e vísceras. Produzem reação
inflamatória granulomatosa, há presença de anticorpos, sendo desconhecido
seu contágio homem a homem.
Entre as micoses
superficiais encontram-se três tipos: as superficiais propriamente ditas,
conhecidas até recentemente como ceratofitoses, as dermatofitoses e a
candidíase.
As micoses
superficiais propriamente ditas atingem apenas a ceratina da epiderme e dos
pêlos, e não provocam reação
de hipersensibilidade. Nesse grupo incluem-se a pitiríase versicolor, a
tinea nigra e a tricomicose nodosa (piedra).
A
pitiríase versicolor é causada pela Malassezia furfur, também conhecida
como Pityrosporum ovale. É universal, acometendo qualquer raça e sexo,
sendo, no entanto, mais comum no adulto. Ocorre em especial em regiões de
clima quente e úmido. A Malassezia furfur pode estar na pele ou no cabelo
sem provocar lesões que, quando presentes, se caracterizam por manchas
hipocrômicas, eritematosas ou acastanhadas, daí o nome 'versicolor'. Essas
máculas são confluentes, têm contornos geográficos, apresentam escamas
furfuráceas (Figura 1) e, em geral, não se acompanham de prurido. Afetam em
especial o dorso e os braços e as recidivas são freqüentes. O diagnóstico é
feito pelo exame direto do raspado da lesão, clarificado pelo hidróxido de
potássio, no qual são observados grupos de esporos entrelaçados por
pequenos micélios septados. Com a lâmpada de Wood, as lesões mostram cor
amarelo-ouro. Para seu tratamento são utilizadas medicações locais e orais.
Entre as locais, destacam-se a solução de hipossulfito de sódio, a de iodo
com ácido salicílico, o sulfeto de selênio e várias drogas antifúngicas
tópicas, como o cetoconazol, o clotrimazol, entre outras, devendo ser
utilizadas por tempo prolongado (até seis meses). Já entre as medicações
orais estão o cetoconazol e o itraconazol, este último de uso mais recente
e efeito mais rápido.
A tinea
nigra é causada pela Exophiala werneckii, fungo conhecido até pouco tempo
como Cladosporium werneckii. É micose de relativa raridade das zonas
tropical ou subtropical. Acomete predominantemente meninas, provocando
mancha preta na palma (Figura 2) ou na planta. As lesões são poucas ou
única, o diagnóstico é confirmado por meio de cultura de material obtido
pelo raspado da mácula, na qual cresce um fungo demácio, ou seja, negro, e o tratamento
é feito
com ceratolíticos.
A
tricomicose nodosa, também chamada de piedra, exterioriza-se por pequenos
nódulos aderentes aos pêlos. Essa afecção pode acometer o couro cabeludo,
as axilas e/ou a região pubiana. Existem dois tipos de piedra: a negra caracteriza-se
por nódulos pretos (Figura 3), sendo causada pela Piedraia hortai, um fungo
demácio; e a branca, que produz nódulos amarelados, cujo agente etiológico
é o Trichosporum beigelii. Para o tratamento da tricomicose nodosa pode-se
utilizar o bicloreto de mercúrio a 1:1000 ou o formol a 2%, sendo mais
eficiente proceder à raspagem total dos pêlos na região acometida.
Das micoses superficiais, o grupo mais comum é o das dermatofitoses. Essas
têm manifestações clínicas heterogêneas, sendo causadas por vários gêneros
e espécies de fungos, chamados dermatófitos. São universais, sendo mais
freqüentes em regiões de clima quente e úmido.
Os fungos
dermatófitos caracterizam-se por apresentar duas fases evolutivas, a
assexuada, na qual pode ser parasita, e a sexuada, quando é saprófita do
meio ambiente. Na fase parasitária, os gêneros são denominados de
Trichophyton, Microsporum e Epidermophyton. As principais espécies do
gênero Trichophyton são o T. rubrum, muito resistente aos tratamentos e
causador de praticamente todos os quadros clínicos; o T. schoenleinii que,
em geral, poupa as dobras naturais; o T. tonsurans, que poupa barba e
pregas dos pés e mãos; e o T. mentagrophytes. Entre os fungos do gênero
Microsporum, destacam-se o M. audouinii, com predileção pelo couro
cabeludo; o M. canis, que acomete predominantemente os cabelos e a pele
glabra; e o M. gypseum, que afeta o couro cabeludo e o tronco. No gênero
Epidermophyton, o E. floccosum prefere dobras e pés, podendo acometer unhas e
tronco, mas nunca os cabelos e a barba.
Conforme
seu habitat, os dermatófitos são divididos em antropofílicos, bem-adaptados
ao homem, com pouca ou nenhuma reação inflamatória; os zoofílicos, com
predileção por animais, que, quando acometem o homem, apresentam reação
inflamatória de média intensidade; e os geofílicos que, pela exuberância da
inflamação que produzem no homem, têm tendência à cura espontânea.
As
manifestações clínicas desse grupo de micoses dependem da
hipersensibilidade retardada, mediada por linfócitos CD4, que pode ser
avaliada pelo teste intradérmico de tricofitina. É importante ressaltar que
existe um fator fungistático natural; fator esse que impede a penetração no
organismo para áreas mais profundas da pele e para outros órgãos. As
mucosas nunca são atingidas pelos dermatófitos.
Os
dermatófitos provocam diferentes formas clínicas, sendo as mais freqüentes:
1. Tinea
capitis: nesse quadro, os cabelos são invadidos e lesados, partindo o
acometimento da porção próxima à raiz, provocando, por isso, tonsura
(Figura 4). Com freqüência essa área de tonsura apresenta-se eritematosa e
descamativa. A tinea tricofítica, causada por fungos do gênero
Trichophyton, manifesta-se por pequenas e múltiplas áreas de alopécia
(tonsuras), geralmente parciais, e os pêlos, quando observados ao
microscópio, mostram esporos do fungo em seu interior, sendo, portanto,
essa forma conhecida como endotrix. Já a tinea microspórica, cujo agente etiológico são fungos do
gênero Microsporum, caracteriza-se por poucas e grandes áreas de tonsura.
Esse gênero, ao exame direto do pêlo acometido, mostra seus esporos por
fora dele, sendo por isso chamado de ectotrix. Há outro tipo de tinea
capitis muito menos freqüente, a tinea favosa, provocada pelo T.
schoenleinii. Causa alopécia definitiva, e suas lesões aparecem como
formações amareladas, resultantes da massa necrótica que se forma pelo
aglomerado de micélio e esporos do fungo, células, sebo e exsudato, o que é
chamado de godê fávico.
2. Tinea
corporis: esse tipo de dermatofitose tem localização preferencial nos
braços, face e pescoço e, em geral, vem acompanhado de prurido. Causa lesões
eritematodescamativas, circinadas, isoladas ou confluentes, de crescimento
centrífugo, podendo-se observar vesículas ou pústulas em sua borda (Figura
5).
3. Tinea
cruris ou dermatofitose marginada: tem seu início a partir da prega
inguinal, podendo atingir coxas, períneo, nádegas e região pubiana. A lesão
é eritematodescamativa com bordas nítidas e muito prurido (Figura 6).
4.
Tinea pedis: existem três
quadros clínicos de dermatofitose dos pés:
a. eczematóide: caracterizada por vesículas plantares e digitais (Figura
7).
b. intertriginosa: afeta as pregas interdigitais, em especial, dos
terceiros e quartos espaços, provocando fissuras e maceração (Figura 8). É
freqüente sua associação com infecção bacteriana.
c. crônica: provoca lesões eritematodescamativas em toda região plantar,
acompanhadas de discreta ou nenhuma inflamação (Figura 9).
5. Tinea
imbricata: essa forma clínica, cuja etiologia é o dermatófito T.
concentricum, ocorre principalmente em certas regiões da Polinésia, sendo,
no Brasil, encontrada no pantanal mato-grossense e na Amazônia. Suas lesões
caracterizam-se pela formação de círculos concêntricos de descamação que
atingem grandes áreas do corpo.
6.
Onicomicose ou tinea unguium: é afecção eminentemente crônica,
manifestando-se por descolamento da unha, hiperceratose subungueal,
chegando até a destruição parcial ou total da unha (Figuras 10, 11).
7.
Dermatofitose da face: provoca lesões eritematodescamativas, de crescimento
centrífugo, às vezes com disposição em asa de borboleta, podendo ser
confundida com o lupus eritematoso.
8.
Dermatofitoses inflamatórias, cuja característica básica é a intensa
inflamação das lesões, é a denominação genérica para três formas de
dermatofitoses:
a. Quérion: acomete o couro cabeludo ou a barba, provocando placa de
foliculite aguda ou subaguda, com intensa supuração, chegando, às vezes, à
alopécia cicatricial definitiva (Figura 12). Devido à exuberância da reação
inflamatória à presença do fungo, é freqüente a cura espontânea.
b. Sicose tricofítica: afeta a área da barba e do bigode. Suas
características clínicas principais são pústulas centradas por pêlos de
evolução crônica.
c. Foliculitis capitis abscedens et suffodiens: essa forma provoca lesões
de foliculite com túneis intercomunicando abscessos no couro cabeludo. É
causada primordialmente por estafilococos, porém, às vezes, também por
Trichophyton tonsurans.
9.
Dermatofitoses granulomatosas: atingem mais profundamente a pele,
observando-se o dermatófito na derme. Produzem reação granulomatosa, e os
pacientes, em geral, mostram reação de hipersensibilidade à tricofitina
intradérmica. As lesões podem ser localizadas ou generalizadas, sendo o
tipo mais comum o de Majocchi, que se manifesta por nódulos eritematosos,
nas pernas de mulheres. A raspagem dos pêlos nessa área talvez seja um dos
fatores agravantes de uma tinea corporis comum.
10.
Dermatofítides: são quadros hiperérgicos agudos ou subagudos, de tendência
à simetria e recidiva em portador de dermatofitose, que ocorrem por
disseminação hematogênica de dermatófitos ou seus produtos. Provocam, em
geral, alterações de aspecto disidrosiforme. São lesões desabitadas com
foco de tinea a distância.
O
diagnóstico das dermatofitoses é feito pelo exame direto do raspado das
lesões, quando são observadas hifas septadas e artrosporos. Esses fungos
crescem na cultura em meio de Sabouraud, e cada espécie tem características
próprias. A luz de Wood pode auxiliar no diagnóstico etiológico, já que a
tinea favosa e a microspórica mostram coloração esverdeada, e a
tricofítica, não.
Para o
tratamento das dermatofitoses provocadas por fungos zoofílicos e geofílicos
é suficiente medicação local, como formulações com iodo, ácido salicílico e
ácido benzóico ou mesmo antifúngicos, como o miconazol, tolnaftato,
tolciclato, clotrimazol, oxiconazol ou cetoconazol, pois a reação
inflamatória intensa à presença do fungo auxilia bastante na cura. Já as
dermatofitoses antropofílicas, ou seja, aquelas causadas por fungos mais
bem adaptados ao homem, são bastante
resistentes às medicações. Em geral, exigem tratamento oral, associado ou
não a um dos tópicos mencionados anteriormente. Entre as medicações orais
utilizadas estão a griseofulvina, o cetoconazol, a terbinafina, a
amorolfina (ainda não comercializada no Brasil), o fluconazol e o
itraconazol. Ressalta-se a grande utilidade desta última medicação, pelos
seus discretos efeitos adversos, além da possibilidade de ser prescrita no
esquema conhecido como pulsoterapia, por meio do qual se administram doses
de 400mg por dia, em duas tomadas às refeições, durante sete dias. O
paciente descansa por três semanas e repete esse ciclo por três meses, para
onicomicose das mãos, ou por quatro meses, para a dos pés. Esse esquema
promove a cura de casos resistentes a outros tratamentos, com menor custo e
tempo de terapia.
O terceiro
e último grupo de micoses superficiais é o da candidíase, cujo principal
agente etiológico é a Candida albicans, apesar de poder ser provocada por
outras espécies de Candidas oportunistas. Esse gênero de fungo é um
saprófita da mucosa vaginal e do tubo digestivo, e existe um fator natural
anticandida, em indivíduos normais. Para que a agressão possa ocorrer e a
candidíase desenvolver-se, é necessária a presença de certas condições,
entre as quais modificações fisiológicas, como a gravidez, pela elevação
dos glicídios vaginais; outras doenças, como a diabetes mellitus e certas
deficiências imunológicas; o uso prolongado de antibióticos, corticóides e
imunossupressores; e o estado de umidade local prolongada. Essa doença é
universal, comum em recém nascidos, podendo acometer adultos e idosos, e, em
especial, certas profissões que lidam com umidade, como as lavadeiras.
Afeta a pele, mucosas, unhas e, raramente, outros órgãos.
A
candidíase pode assumir várias formas clínicas:
1. Candidíase oral: é freqüente em recém-nascidos, idosos e indivíduos
debilitados, caracterizando-se por erosões esbranquiçadas na boca (Figura
13).
2.
Candidíase intertriginosa: atinge as dobras naturais, manifestando-se por
erosões, fissuras e pequenas lesões satélite arredondadas,
eritematoescamosas e, eventualmente, pústulas (Figura 14).
3.
Candidíase ungueal e periungueal: provoca o descolamento e deformação da
unha, além de lesão eritematoedematosa periungueal, denominada de
paroníquia (Figura 15).
4.
Perleche ou queilite angular: caracteriza-se por fissuras
no canto da boca (Figura 16), especialmente em usuários de prótese dentária
com má higiene oral, idosos, e recém-nascidos.
5.
Vaginites e balanites: são erosões pruriginosas na vagina e sulco
balanoprepucial.
6.
Candidíase granulomatosa: é uma afecção rara de crianças com defeito
genético e/ou imunológico, às vezes estando associada à endocrinopatia. De
início, provoca lesões orais (Figura 17) e, posteriormente, acomete o couro
cabeludo, unhas e outras áreas, sob a forma de lesões crostosas com
tendência à formação de cornos cutâneos.
7.
Candidíase visceral: ocorre por disseminação hematogênica, naqueles
pacientes em uso prolongado de imunossupressores. Pode acometer, nos casos
de extrema gravidade, o coração, os pulmões e outros órgãos nobres, levando
à morte.
O diagnóstico
das afecções causadas pelo gênero Candida é obtido por meio do exame direto
do material das lesões, ao serem encontrados o pseudomicélio e os
blastosporos característicos desses fungos, e da cultura em meio de
Sabouraud.
Para se
conseguir a cura dessas afecções é imprescindível corrigir os fatores
predisponentes e\ou agravantes que porventura existam, como o excesso de
umidade local, além de tratar doenças subjacentes, como o diabetes
mellitus. As medicações locais preferenciais a serem utilizadas são a
nistatina e o clotrimazol. Entre as orais, destacam-se o cetoconazol,
fluconazol e itraconazol. Para os casos extremamente graves e resistentes
às drogas já mencionadas, reserva-se a anfotericina B, prescrita por via
endovenosa, que tem sérios efeitos adversos.
http://www.dermato.med.br/publicacoes/artigos/1995infeccoes.htm
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